Hotel no RJ só contrata funcionários com transtornos psiquiátricos

Uma fachada discreta de um hotel em Botafogo, na zona sul do Rio, abriga a Casa Tuxi, um sobrado de 14 quartos, com banheiros privados e uma piscina. Lotada aos fins de semana e feriados, os hóspedes, que podem desembolsar até R$ 350 na diária, são avisados na recepção que todos os funcionários são pacientes...

Publicado em 1 de julho de 2022 às 16:04

Uma fachada discreta de um hotel em Botafogo, na zona sul do Rio, abriga a Casa Tuxi, um sobrado de 14 quartos, com banheiros privados e uma piscina. Lotada aos fins de semana e feriados, os hóspedes, que podem desembolsar até R$ 350 na diária, são avisados na recepção que todos os funcionários são pacientes psiquiátricos.

Há sete anos, depois de passar por internações e tentar suicídio, a fotógrafa e atriz Fernanda Tuxi, de 40 anos, decidiu que precisava rever suas relações sociais e de trabalho. Para isso, abriu o hotel e decidiu contratar seus colegas do Caps Franco Basaglia.

'Fui criada neste quarteirão e as pessoas sabiam da minha condição mental. Era a oportunidade de mostrar que sou capaz, independente da minha patologia', diz. Possivelmente herdados da avó, que foi internada várias vezes até cometer o suicídio, Fernanda tem os diagnósticos de bipolaridade e borderline.

Sem vergonha de ser quem é Fernanda é filha de uma traição do pai. A mãe, com 15 anos, se apaixonou pelo português que via na porta da escola em que ambos trabalhavam. Ela como ajudante de inspetor de alunos e ele, dono da frota de ônibus. O casal viveu um relacionamento de 17 anos, que foi interrompido quando a mulher se cansou de ser a outra.

O quadro psiquiátrico de Fernanda começou pouco depois de o pai morrer, quando ela tinha 16 anos. No dia do enterro, teve o que ela chama de surto e foi internada em um hospital psiquiátrico pela primeira vez. Nessa época, ao sair da internação, decidiu não voltar a morar com a mãe, pois sofria violência sexual do padrasto e, sem casa, viveu nas ruas.

A condição mental de Fernanda a prejudicou por causa do preconceito. Até cursar fotografia e atuação, aos 20, foi recusada em diversas seleções de emprego ao revelar seus diagnósticos. Em uma delas, para uma vaga de gerente em uma loja, foi recusada assim que abriu o jogo. 'Não tenho vergonha de quem eu sou', conta

Fernanda diz que já contratou o Caps quase inteiro. Além dos funcionários fixos, o hotel conta com dois freelancers.

Branco Dutra de 45 anos, chegou na casa há cinco meses e, assim como os outros, é paciente do Caps Franco Basaglia. Antes, foi internado mais de cinco vezes e nunca esteve em um emprego formal. Sofreu violências e abusos da família e, desde 2003, trata da esquizofrenia. 'Atualmente, meu quadro está zerado', explica.

De acordo com Fernanda os que deram certo, como a bartender Maria da Conceição, 42 anos, permanecem há anos no hotel. Bipolar e borderline, a funcionária foi contratada em 2019. Sua realidade não é diferente da trajetória profissional da patroa e amiga e passou por recusas em seleções com a justificativa de falta de suporte das empresas. 'Aqui meu transtorno não me define', diz Maria.

Para ter certeza de que a pessoa é de confiança, a dona do hotel preza pela convivência. 'O Bruno, por exemplo, pode ser efetivado em algum momento', diz. Apesar de entender que um trabalhador com patologia psiquiátrica pode ter um desempenho igual ou melhor do que quem não tem, Fernanda reconhece que a necessidade de acolhimento é constante: 'Nós sofremos basicamente da mesma dor e nos acolhemos para seguir em frente'.

Com informações do UOL