Publicado em 1 de novembro de 2024 às 12:01
A disputa pelo poder nas ruas e comunidades do Rio de Janeiro, ao longo dos últimos 40 anos, traz consigo diversas histórias e conflitos entre diferentes famílias, que sucedem ao poder com a passagem de bastão entre patronos e herdeiros.
No início dos anos 1980, a prática que começara através dos visitantes do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, avançou para os bares e estabelecimentos das comunidades cariocas. Através de seus “patronos” o Jogo do Bicho se tornou um mecanismo de poder e domínio territorial na Cidade Maravilhosa.
O jogo é contado a partir de um conglomerado de famílias dos contraventores, que se dividem em cinco nomes principais: Miro Garcia, Castor de Andrade, Capitão Guimarães, José Escafura e “Anísio” Abraão.
Passagem do poder
A sucessão da família Garcia passou de Miro para o filho mais velho, Maninho. O homem apelidado como “Rei do Rio” era temido pela cúpula dos contraventores, mas foi assassinado na porta de uma academia, em 2004. O comando das áreas do “Seu Miro”, na Zona Norte, Centro e Sul da capital, foi herdada pelas netas Shanna e Tamara Garcia. A família é apontada como a mais influente e já nomeou vários patronos do Salgueiro, uma das escolas de samba mais tradicionais do Rio.
A família Castor colocou seu nome em destaque por liderar a Mocidade Independente de Padre Miguel, e dominar vários pontos do bicho na Zona Peste e na região da Costa Verde, localizada no litoral sul do estado. A morte de Castor deixou um vácuo no poder que culminou em disputas que, 27 anos depois, nunca foi “oficializada” nem mesmo entre os contraventores. O filho de Castor, “herdeiro natural”, foi assassinado um ano após a morte do pai. O genro de Castor, Fernando Iggnácio assumiu o poder, que passou a ser disputado pelo sobrinho de Castor, Rogério de Andrade.
A família Guimarães é apontada como aquela que – através de seu patriarca – conseguiu implementar um sistema “lógico” de organização e hierarquia no comando das áreas onde o jogo é operado. Luiz Guimarães, filho do “Capitão Guimarães” é apontado como possível sucessor, já que o comando ainda segue sob as ordens do capitão. Pai e filho são tidos como os nomes mais influentes da Unidos de Vila Isabel.
Entre os Escafuras, o representante da família e uma das figuras mais simbólicas do jogo do bicho, José Caruzzo, o Piruinha, continua à frente dos negócios conforme o Ministério Público.
Um dos filhos de Piruinha, Haylton Carlos, foi assassinado em 2017 em uma disputa por pontos de máquinas de caça-níquel. A família é apontada como controladora de pontos na Zona Norte, principalmente em Madureira.
A família Abraão é considerada a mais influente dentro da Beija-Flor de Nilópolis, tendo seu patrono alternado entre Anísio e o filho, Gabriel David, apontado como um dos sucessores do pai no mundo do samba. O patriarca é apontado como “dono” dos pontos do jogo do bicho na Baixada Fluminense.
Quem são os nomes no comando do jogo do bicho no RJ
Os nomes no comando da contravenção no Rio de Janeiro envolve nomes da “velha guarda” e herdeiros que se sucederam após diversos episódios, muitas vezes sangrentos, que contam a história de uma das práticas mais antigas da cultura carioca. Saiba quem são os nomes no comando do jogo do bicho no RJ.
Maninho Garcia
Considerado como o filho preferido de Miro, o contraventor mais temido entre os bicheiros, foi criado para ser seu herdeiro no jogo do bicho. Chamado até de Rei do Rio, Maninho assumiu o jogo do bicho após a morte de Tio Patinhas, seu padrinho, herdando parte do negócio de Angelo.
Com “jeito para os negócios”, Maninho seguiu os passos do pai atuou como diretor do Salgueiro, no famoso desfile de 1993, com a música “Explode Coração”, que deu o título para escola após 17 anos de jejum. Fama de galã, Maninho é conhecido por diversas histórias e relacionamentos amorosos, mesmo sendo casado. Mas foi com Sabrina Garcia, com quem teve três filhos: Shanna, Tamara e Mirinho. Ele foi assassinado na porta de uma academia, em 2004, naquele indicado como o precursor de diversas disputas violentas pelo poder, no Rio de Janeiro.
Shanna Garcia
Filha de Maninho e neta do “Seu Miro”, Shana e a irmã Tamara estão na disputa pelo controle das áreas da família, desde a morte do pai, em 2004. Shana foi casada com José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal. O ex-marido, apontado como o “operador” da família a partir da morte de Maninho, foi assassinado em um Centro Espírita em 2011. Shanna é casada atualmente com Rafael Alves, e atua como amazona amadora. Ela já reivindicou publicamente os direitos dos pontos da família que segundo ela, foram subtraídos pelo ex-cunhado, marido de Tamara, acusado de não compartilhar os “ganhos”.
Bernardo Bello
A disputa na família Garcia passa pelo conflito de versões entre Bernardo Garcia e Shana Garcia. O ex-marido de Tamara se apresenta como um empresário ligado aos ramos de automóveis e eventos, e nega qualquer envolvimento com o jogo do bicho. Ex-presidente da escola de samba Unidos de Vila Isabel, Bernardo Bello chegou à liderança do jogo do bicho em parte do Rio de Janeiro após a morte do ex-sogro.
Apesar de não ser o sucessor direto, uma vez que Maninho tinha um irmão na família, Alcebíades Paes Garcia, o Bid, e também três filhos – as gêmeas Shanna e Tamara e Mirinho – que poderiam assumir a contravenção, Bello, casado com uma das filhas de Maninho, Tamara Garcia, acabou levando a melhor na disputa e conquistou poder sobre os pontos de jogo do bicho, numa história que envolve muitas mortes e diversas acusações.
Em 2017, o filho de Maninho, Waldomiro Paes Garcia Júnior, Mirinho, foi assassinado, aos 27 anos, após ser mantido refém por sequestradores. Shanna Garcia, acusa Bello de ser o mandante de um atentado sofrido por ela em 2019, quando foi atingida por dois tiros em frente a um centro comercial também na Barra da Tijuca.
Em 2022, Bello, constava na lista da Difusão Vermelha, foi preso pela Interpol na Colômbia, acusado do assassinato de Bid. Ele ficou preso por quatro meses, mas conseguiu um habeas corpus para responder pelos crimes no Brasil, em liberdade. O motivo para tantas acusações, segundo as investigações, é o espólio de 25 milhões de reais, deixado por Maninho.
José Caruzzo Escafura, o Piruinha
O quase centenário José Caruzzo Escafura, ou Piruinha, ingressou na contravenção na década de 1950, quando começou a gerenciar bancas na região da Abolição, Piedade e Inhaúma, área que exerceu bastante influência no auge do bicho – e onde mora até hoje. Antes de entrar na contravenção, Escafura foi motorista de lotação. Aos 94 anos, Piruinha é o mais velho contraventor da cúpula do jogo do bicho carioca ainda vivo. Saiba quem é Piruinha, um dos chefes do jogo do bicho do RJ.
Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães
Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, Capitão Guimarães também participou ativamente das atividades de repressão do regime militar (1964-1985). Foi acusado de participação em casos de detenção ilegal, tortura e execução, e é um dos 377 agentes responsabilizados por crimes durante o período. Enquanto ainda era militar, capitão Guimarães se viu atraído pelo alto lucro do contrabando de bebidas, roupas e cigarros. Esse caminho tortuoso o expulsa do Exército nos anos 1970, mas termina alçando-o a um grande chefe do jogo do bicho.
“Ele tinha relações com os grupos armados dos porões do regime autoritário no processo da Ditadura Militar e, então, leva esse know how para o jogo do bicho com a intenção de fazer do bicho uma atividade sistemática”, diz o historiador Luiz Antonio Simas.
Se a carreira militar de capitão Guimarães foi curta, no jogo do bicho ela foi meteórica. Em apenas cinco anos, ele chegou à cúpula da contravenção conquistando a região de Niterói. Também foi atrás de uma escola de samba para chamar de sua, a Unidos de Vila Isabel. Em 1984, fundou a Liesa (Liga das Escolas de Samba) ao lado do também bicheiro Castor de Andrade, da Mocidade Independente de Padre Miguel. Atualmente, o Capitão está preso após a operação “Mahyah” que desarticulou uma organização criminosa voltada para a prática de homicídios, corrupção passiva e porte ilegal de arma de fogo, chefiada pelo capitão.
Rogério Andrade
Uma das figuras mais conhecidas da contravenção, Rogério de Andrade foi preso no Rio de Janeiro, na manhã da última terça-feira, 29. O bicheiro é acusado pelo homicídio qualificado de outro contraventor, Fernando Iggnácio, ocorrido em novembro de 2020. Ele foi assassinado a tiros em um heliponto na zona oeste do Rio de Janeiro. O mandado de prisão contra Rogério foi cumprido pelo Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (GAECO/MPRJ). Ele foi detido em sua casa, na Barra da Tijuca.