Fim do trabalho escravo exige novas políticas, dizem especialistas

Sem assistência social, resgatados estão sujeitos a voltar ao regime

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Publicado em 2 de fevereiro de 2025 às 13:41

Sem assistência social, resgatados estão sujeitos a voltar ao regime
Sem assistência social, resgatados estão sujeitos a voltar ao regime Crédito: Agência Brasil

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) admite que o fim do crime de exploração de mão de obra em condições análogas à escravidão no Brasil depende de ações mais abrangentes do que o combate que vem sendo feito há 30 anos.

Em nota, o MTE diz que a erradicação do trabalho escravo contemporâneo no país exige “articulação com a sociedade civil” e “um conjunto de iniciativas estruturais em áreas como educação, saúde e emprego, que complementem as ações repressivas e de resgate, visando à construção de um país mais justo”.

O desafio se torna maior quando são consideradas mudanças permanentes nas formas de trabalho em diferentes cadeias produtivas. Uma evidência das transformações recentes é o fato de que setor com mais trabalhadores resgatados em 2024 é tipicamente urbano: 293 pessoas do total de 2.004 resgatados atuavam na construção civil (14,6%). Historicamente, o trabalho escravo é sempre associado à exploração em zona rural.

O diagnóstico do MTE sobre as dificuldades para pôr fim a essa forma de exploração se assemelha ao de especialistas de diferentes instituições públicas e da sociedade civil que participaram de duas mesas-redondas organizadas pelo próprio ministério na última terça-feira (28), Dia Nacional do Auditor-Fiscal do Trabalho e Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo.

Informação e Prevenção

Na avaliação do procurador Luciano Aragão Santos, diretor-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), a fiscalização dos auditores do Ministério do Trabalho “funciona”, pois, efetivamente, nas últimas três décadas, “tem retirado trabalhadores de condições análogas à escravidão”.

No entanto, “a fiscalização não é suficiente, e nunca vai ser”, para acabar com a forma moderna de trabalho escravo. Para Santos, é necessário ir além da repressão. “Nós temos que prevenir. E, quando vou falar de prevenção, gosto de falar de dados. Nós precisamos ter dados para tomar decisões. E, perdão, vou me corrigir: nós precisamos ter informação.”

Segundo o procurador, das 63 mil pessoas resgatadas até 2023 (um ano antes do balanço mais recente) 17,1 mil não estavam inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal (CadÚnico). Ou seja, essas pessoas, ainda que resgatadas do trabalho escravo, permaneciam fora do alcance de diferentes programas de assistência social, inclusive do Bolsa Família.

Para o frade dominicano Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), há “uma certa inadequação da capacidade” do sistema assistencial para atender as vítimas de trabalho escravo depois do seu resgate e também para fazer prevenção contra a reincidência.

“Se não houver esse atendimento, haverá, sim, continuidade do ciclo” e pessoas hoje resgatadas estarão novamente expostas a serem exploradas. Plassat acrescenta que o quadro é agravado porque as políticas públicas para erradicação do “continuam tímidas e subfinanciadas”.

Monitoramento e reparação

Natália Suzuki defende medidas que evitem que, nas diferentes cadeias produtivas, o trabalho escravo continue sendo uma peça, uma escolha como modelo de produção.

A advogada Laíssa Pollyana do Carmo é favorável a um melhor acompanhamento das cadeias produtivas e considera “de extrema importância” cobrar responsabilidade de todas as empresas envolvidas no processo de transformação de matérias-primas em produtos finais.

De acordo com Laíssa, os trabalhadores mais vulneráveis à exploração como mão de obra escrava estão em “cadeias produtivas riquíssimas e exportadoras”, como a pecuária, as lavouras de cana-de-açúcar, soja, café, milho, horticultura, frutas, lavouras temporárias e produção florestal.

O procurador Luciano Aragão Santos assinala que, na ponta das cadeias produtivas, “as grandes indústrias desses setores não monitoram, não estão preocupadas com violação dos direitos humanos cometida por quem fornece o seu insumo, a matéria prima para o seu produto industrializado.”

A inércia muda, no entanto, quando o Ministério do Trabalho e Emprego divulga a lista suja de quem explora formas modernas de trabalho escravo. Conforme o procurador, “na hora”, a indústria corta relações comerciais com o fornecedor apontado, mas não se responsabilizam pelo que ocorria antes.

“É preciso que tais empresas adotem medidas para monitorar essa cadeia produtiva, para prevenir violação de direitos humanos”, diz Aragão, que defende que quem compra matéria-prima e outros insumos estabeleça contratualmente fiscalização efetiva. “Não basta suspender a aquisição, a gente tem que buscar a reparação.”