Mais de 20 casos de violência agrária são registrados em Anapu, aponta relatório da DPE

Relatório da Defensoria Pública do Pará aponta 23 casos de violência agrária em Anapu entre 2015 e 2024, evidenciando a persistência dos conflitos fundiários duas décadas após o assassinato de Dorothy Stang.

Publicado em 12 de fevereiro de 2025 às 17:38

Mais de 20 casos de violência agrária são registrados em Anapu, aponta relatório da DPE
Mais de 20 casos de violência agrária são registrados em Anapu, aponta relatório da DPE Crédito: Reprodução

A Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA), por meio do Núcleo das Defensorias Públicas Agroambientais, divulgou nesta segunda-feira (12) o relatório “Monitoramento dos casos de violência, por motivação agrária e fundiária, no município de Anapu – anos de 2015 a 2024”. O documento compila informações sobre processos relacionados a conflitos de terra no município do Sudoeste paraense, que ganhou notoriedade mundial em 2005, com o assassinato da missionária e ativista Dorothy Stang.

Há 20 anos, em 12 de fevereiro de 2005, Irmã Dorothy, como era conhecida, foi morta a tiros em uma estrada de Anapu, vítima de um crime encomendado por fazendeiros da região. Defensora da reforma agrária e dos direitos de trabalhadores rurais, a missionária já havia recebido diversas ameaças antes de sua execução. O caso revelou ao mundo a grave tensão fundiária no Pará, um cenário que persiste até hoje, assim como a resistência das comunidades afetadas.

Monitoramento da violência no campo

Desde 2010, o Núcleo das Defensorias Públicas Agroambientais monitora processos e acompanha famílias atingidas por conflitos agrários no estado. Os casos recebidos são reunidos em relatórios, que também incorporam informações de buscas ativas e de organizações que atuam na defesa dos trabalhadores rurais, como a Comissão Pastoral da Terra. Em 2022, a Defensoria já havia publicado um levantamento sobre homicídios motivados por disputas fundiárias no Pará, no qual Anapu apareceu como o município com mais ocorrências, seguido por Marabá e Novo Progresso.

O novo relatório, que abrange o período de 2015 a 2024, ampliou os indicadores para além dos homicídios, incluindo também tentativas de homicídio, ameaças e desaparecimentos. O levantamento identificou 23 casos de violência relacionados a disputas de terra em Anapu nesse intervalo.

Para a coordenadora do Núcleo, defensora pública Andréia Barreto, o relatório não apenas quantifica os casos, mas também funciona como uma ferramenta de proteção. “O relatório é uma medida preventiva, pois nos permite avaliar institucionalmente como realizamos esse monitoramento. Além de atender as famílias vítimas de violência, atuamos na inclusão de lideranças ameaçadas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos e na articulação de escolta policial para os casos mais graves. Nosso objetivo é não só registrar os homicídios, mas também agir para evitar novas mortes e garantir a integridade das vítimas”, explica.

Números e desafios da investigação

O relatório aponta que, entre os 23 casos documentados, oito não tiveram os processos localizados por falta de registro do nome da vítima. Dos 15 restantes, sete ainda tramitam na Justiça, sendo quatro em fase de instrução, dois já sentenciados e um em segredo de justiça. Outros oito processos foram arquivados porque a polícia não conseguiu identificar os autores dos crimes.

A defensora Andréia Barreto destaca que essa dificuldade na identificação dos responsáveis contribui para a impunidade e a continuidade da violência no campo. “O problema começa na fase inicial da investigação. Muitos casos são arquivados por falta de autoria definida, o que alimenta o ciclo da impunidade e incentiva novos crimes. Sem responsabilização dos mandantes e executores, a violência agrária se perpetua”, alerta.

Outro fator preocupante revelado pelo relatório é a possível subnotificação de casos nos últimos dois anos. Não houve registros encaminhados à Defensoria em 2023 e 2024, mas isso não necessariamente indica uma redução da violência. Barreto explica que barreiras como a dificuldade de acesso à internet e a longa distância entre comunidades e órgãos públicos podem impedir a formalização das denúncias.

Conflitos persistentes em Anapu

Localizado às margens da Rodovia Transamazônica, Anapu ainda sofre com o avanço do desmatamento e da grilagem de terras, que continuam sendo as principais ameaças aos trabalhadores rurais da região. A ocupação desordenada desde a década de 1970, somada à falta de políticas públicas eficazes, agravou os conflitos entre populações tradicionais, migrantes, madeireiros e grandes proprietários de terra.

Para a defensora Andréia Barreto, manter viva a memória de Irmã Dorothy significa também dar visibilidade à luta dos trabalhadores rurais por justiça e segurança no campo. “Ao lembrar do assassinato da irmã Dorothy, também relembramos todos aqueles que perderam a vida na luta pela reforma agrária e pela defesa da floresta. E aqueles que seguem resistindo. A memória dela é fundamental para o debate sobre a violência no campo, e este relatório contribui para um acompanhamento mais concreto dos processos judiciais relacionados aos conflitos agrários”, conclui.

Serviço

O Núcleo das Defensorias Públicas Agroambientais atua em casos de conflitos coletivos pela posse e propriedade da terra, incluindo o direito de passagem e o acesso a territórios tradicionais e seus recursos naturais. Para atendimento, entre em contato pelo e-mail: [email protected].

Sobre a Defensoria Pública do Pará

A Defensoria Pública é responsável por garantir assistência jurídica integral e gratuita à população em situação de vulnerabilidade, prestando orientação e defesa em todas as instâncias, com foco na promoção dos direitos humanos e da cidadania.