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Publicado em 23 de março de 2025 às 11:55
Cozinhar, lavar, passar, levar os filhos à escola, ao dentista, ir ao banco, cuidar do cachorro, ser uma profissional no mercado de trabalho e ainda tentar reservar uma hora do dia para cuidados pessoais. Esse é o cotidiano de muitas mulheres que, apesar de terem uma agenda mais lotada que a de um executivo, não recebem um valor adicional pelo trabalho realizado em casa. Em alguns casos, têm que lidar com a falta de reconhecimento e ainda fazer hora extra nos finais de semana, enquanto enfrentam a pressão de manter tudo em ordem.>
É fundamental que se dê maior visibilidade aos afazeres domésticos e aos cuidados essenciais para a vida na sociedade. Embora essenciais, essas atividades, por não serem remuneradas, muitas vezes são vistas como “feitas por amor” e desprovidas de valor pela sociedade. De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), em 2023, se contabilizado o trabalho não pago de afazeres domésticos e cuidados nas famílias, ele adicionaria 13% ao PIB brasileiro. O estudo revela que, enquanto as mulheres dedicam até 25 horas semanais a essas tarefas, os homens investem cerca de 11 horas.>
Isabela Duarte, pesquisadora do FGV IBRE, resume os dados. "As mulheres são responsáveis por 65% dessas atividades, com variações regionais. O reflexo dessa realidade se dá no mercado de trabalho, onde elas enfrentam mais dificuldades para alcançar melhores posições. Muitas vezes, têm maior instrução e ainda assim ganham menos", explica Isabela. Para ela, o cenário poderia melhorar com mais conscientização social e políticas públicas, especialmente a construção de creches e escolas em turno integral.>
O custo do trabalho doméstico não remunerado>
Em 2024, o jornal JT realizou uma pesquisa para estimar o custo do trabalho não remunerado de uma dona de casa. O valor do salário justo de uma dona de casa foi calculado em aproximadamente R$ 35 mil mensais. Embora pareça exagerado, esse valor reflete a soma dos diversos salários pagos aos profissionais que desempenham funções realizadas por uma dona de casa.>
Por exemplo, ela acumula as funções de babá (R$ 1.892,00), lavadeira (R$ 2.342,74), enfermeira (R$ 4.750,00), office-girl (R$ 1.520,00), faxineira (R$ 2.191,99), passadeira (R$ 1.795,00), motorista (R$ 1.989,73), nutricionista (R$ 4.017,00), cozinheira (R$ 3.249,55), analista financeira júnior (R$ 2.488,00), professora particular (R$ 1.800,00), psicóloga (R$ 4.994,13) e babá de cachorro (R$ 1.460,00). O total mensal, que seria o salário justo para essa multiplicidade de funções, chega a R$ 34.490,14.>
Além disso, a pesquisa da PNADC/IBGE revela que as mulheres dedicam quase o dobro de horas (1,94 vezes mais) aos afazeres domésticos e cuidados do que os homens. Com isso, elas são as mais prejudicadas pela invisibilidade desse trabalho.>
O papel das mulheres no lar e no mercado de trabalho>
O trabalho doméstico e os cuidados familiares são fundamentais para a sociedade, permitindo que outros membros da família, especialmente os homens, se dediquem ao mercado de trabalho. Para famílias com maior poder aquisitivo, esse trabalho é terceirizado, mas para a maioria da população, ele é realizado gratuitamente pelas mulheres, que, por sua vez, enfrentam diversas consequências. Muitas delas ocupam empregos mais flexíveis, com menores remunerações, para conciliar as tarefas domésticas com o trabalho remunerado. Além disso, enfrentam dificuldades para permanecer no mercado de trabalho por longos períodos.>
A contadora e empresária Adriana Tavares, de 48 anos, casada, com três filhos e um pet, optou por ser dona de casa. Segundo ela, a escolha foi motivada pela flexibilidade da função, que lhe permitiria cuidar da família sem o compromisso de um trabalho formal. "Eu queria cuidar de tudo, dos filhos, do marido, da casa. E por anos foi mais ou menos assim. Quando tinha secretária, era quando os meninos nasciam. Depois, ia dando meu jeito", explica.>
Mulheres que assumem sozinhas a responsabilidade pela casa e filhos>
O DIEESE/PA analisou dados que revelam um cenário crescente de mulheres que, em muitos casos, assumem as funções de mãe e pai. No Brasil, mais da metade dos domicílios (51,66%) são chefiados por mulheres. Esse cenário é ainda mais expressivo nas regiões Norte e no Estado do Pará, onde as mulheres chefiam, respectivamente, 50,03% e 51,09% dos lares.>
A sobrecarga feminina e seus impactos na saúde>
Em um relatório da Oxfam de 2020, ficou claro que o trabalho de cuidado não remunerado, realizado principalmente por mulheres em situação de pobreza, limita suas condições de se dedicar ao trabalho remunerado. Além disso, a sobrecarga de responsabilidades domésticas pode resultar em sérios problemas de saúde mental para as mulheres.>
A psicóloga Thallitta Leal, especializada em ansiedade e autoestima, aponta que as mulheres modernas enfrentam um paradoxo. Embora busquem independência e realizações, lidam com cobranças externas e internas que comprometem sua saúde emocional. "Muitas mulheres se sentem invisíveis, mesmo sendo protagonistas em casa, no trabalho e na sociedade. Elas vivem sufocadas por expectativas irreais, exigências e acabam negligenciando suas próprias necessidades", afirma Thallitta.>
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres têm duas vezes mais chances de desenvolver transtornos de ansiedade e três vezes mais chances de sofrer de transtornos depressivos. O excesso de responsabilidades, a exaustão emocional e a dificuldade em estabelecer limites são fatores que agravam essa situação.>
A falta de reconhecimento e as consequências para a economia>
Embora as mulheres tenham conquistado maior espaço no mercado de trabalho, a carga de trabalho doméstico permanece predominantemente em suas mãos. Isso impede muitas delas de ascender a melhores posições no mercado, pois essas vagas exigem dedicação integral, algo que a maioria das mulheres não pode oferecer devido às responsabilidades domésticas. Esse cenário contribui para a desigualdade no mercado de trabalho e perpetua a invisibilidade do trabalho doméstico, com impactos diretos na economia, na redução da produtividade e no bem-estar das mulheres.>
As consequências da sobrecarga feminina, resultado da dupla jornada de trabalho, afetam vários aspectos da vida da mulher, criando um ciclo vicioso que prejudica a saúde, a carreira e a economia. A sociedade ainda precisa reconhecer o valor do trabalho doméstico e repensar a distribuição dessas responsabilidades para que haja uma mudança real e duradoura.>