Reprodução/Marinha do Brasil
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Catástrofe climática em Belém é alvo de debate entre especialistas

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Após o início da tragédia que tomou conta de Porto Alegre e todo o estado do Rio Grande do Sul, parte da população paraense iniciou o questionamento se poderia acontecer algo semelhante na capital paraense, onde há chuvas e transbordamentos em alguns períodos do ano. No entanto, o engenheiro civil e mestre em estruturas de concreto armado, Nagib Charone, descarta a possibilidade de um cenário semelhante ao enfrentado no Rio Grande do Sul na capital paraense devido a diferenças geográficas, mas um levantamento do Serviço Geológico do Brasil (SGB), mostrou que Belém possui 125 áreas de risco geológico alto ou muito alto, porém, não afirma que estes desastres poderiam ter as mesmas proporções do RS.

A Cartilha da Comissão Permanente da FNP (Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos) de Cidades Atingidas ou Sujeitas a Desastres (CASD) destaca que, embora cada região brasileira possua suas particularidades climáticas e geográficas, os desastres menores são tão preocupantes para o poder público como os desastres de maior proporção.

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“Os eventos menores, mas com elevada repetição, têm impacto tão ou mais significativo que os grandes desastres, dada a crescente exposição da infraestrutura e vulnerabilidade da população em uma situação de risco recorrente”.

Trecho da Cartilha da Comissão Permanente da FNP (Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos) de Cidades Atingidas ou Sujeitas a Desastres (CASD)

O mapeamento de áreas de risco geológico, na parte continental de Belém e nas 39 ilhas que integram a capital paraense, apontou que, das 125 áreas de risco identificadas, 76 correspondem a áreas com risco de inundação e alagamentos e 49 a áreas de risco de erosão costeira. “O mapeamento das áreas de risco de Belém foi o primeiro trabalho de planificação da cidade, de uma série que está sendo realizada, com o fim de atender à Agenda 2030”, explicou a secretária municipal de Meio Ambiente (Semma), Christiane Ferreira, que participou de todo o trabalho e, no início, estava à frente da Defesa Civil do município. Embora o levantamento tenha sido realizado em 2021, seus dados foram utilizados como referência para monitoramentos posteriores pela Defesa Civil do Pará em 2023 e 2024.

Áreas de risco

Em Mosqueiro foram identificados 13 pontos com risco de erosão e deslizamento de encosta, localizados nas praias do Ariramba, Baía do Sol, Bispo, Farol, Murubira, Paraíso e Praia Grande. Já em Outeiro foi identificado alto risco de inundação na Comunidade Fé em Deus II, no bairro São João do Outeiro, e muito alto risco de erosão e deslizamento na avenida Beira Mar e na praia Belo Paraíso, no bairro Fama.

De acordo com o relatório produzido pelo Serviço Geológico Nacional, “as áreas de risco à inundação e alagamentos estão relacionadas à ocupação e aterramento das planícies de inundação dos rios e igarapés, bem como a canalização destes que cortam a área urbana da cidade, processo que se apresenta desde o início da formação histórica do município e agravado pela falta de planejamento urbano e ausência de fiscalização em áreas que são proibidas por lei, para ocupação”.

O documento destaca ainda que alguns setores estão localizados nas bacias hidrográficas do Tucunduba e Estrada Nova, que atualmente estão inseridas em projetos de macro e micro drenagem, que no futuro podem diminuir ou eliminar o risco associado a estes setores, necessitando de uma nova avaliação das áreas quando os projetos forem finalizados.

Charone explica que Belém é uma península cercada pelo Rio Guamá e pela grande Baía do Guarujá: “No interior da península existem muitos canais que deságuam, ao fim do curso, nesses dois poderosos depósitos de água. Então, basta um tempo suficiente para que as águas cheguem no Rio e à Baía. Esse tempo é de 6 horas, necessário para iniciar a vazante da maré. Porto Alegre tem ao lado um grande lago que se comunica com o mar, porém, a altura da maré é bem menor que à nossa, que chega a 4 metros. Em Belém não temos morros e montanhas à montante (atrás) de suas ruas, que poderiam produzir correntezas violentas levando o que encontrarem pela frente”, diz.

Recomendações

As sugestões de intervenção feitas pelo Serviço Geológico do Brasil tem foco principalmente em ações preventivas. A proposta central é que os desafios sejam enfrentados de maneira
abrangente, com medidas de prevenção, redução de risco, resposta e gestão de desastres. A cartilha que teve Belém como base para sua elaboração destaca ainda que as ações da defesa civil devem se aliar com ações de planejamento urbano, habitação, processos educativos, medidas de resiliência climática e soluções baseadas na natureza.

Lista completa de recomendações para Belém

  • Implantação de rede de esgotamento sanitário, manutenção e limpeza (dragagem e coleta de lixo) das drenagens pluviais e canais de córregos, a fim de evitar que o acúmulo de resíduos impeça o perfeito escoamento das águas durante a estação chuvosa.
  • Conscientização dos moradores, com objetivo de evitar descarte de resíduos nas águas.
  • Implantação de políticas de controle urbano para evitar construções e ocupações em áreas de preservação permanente (APP), como margens e leitos de rio.
  • Instalação de sistema de alerta para as áreas de risco, através de meios de veiculação pública (mídia impressa, digital, rádio e tv, sirenes e celulares).
  • Políticas de remoção eficaz de moradores em caso de alertas de chuvas intensas ou contínuas.

Problemas centrais

O metereologista e professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), Adriano Sousa, afirma que o principal problema local é a intervenção desordenada do homem, associada a falta de ações preventivas do poder público, que podem levar a capital paraense a um cenário de catástrofe em condições excepcionais, que se aproximam da realidade devido às mudanças climáticas.

“Quando há falta desse planejamento urbano, o que vai acontecer? Teremos essas áreas suscetíveis e esses riscos de inundação ampliados. O homem não pode construir no leito, ele vai e constrói. O homem não pode tirar a mata auxiliar, o homem vai lá e tira. Isso gera diversos problemas, que aos poucos se revelam. Lembrando que isso não é de agora, já vem de uma formação histórica”

Adriano Sousa, metereologista, doutor em hidrologia e mudanças climáticas e professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra)

Adriano também faz uma comparação entre Belém e Porto Alegre para delimitar que embora existam diferenças marcantes, um cenário excepcional somado à falta de ações de monitoramento e combate à catástrofes pode dificultar o panorama local: “Nos dias 3 e 4 de fevereiro de 2018, choveu 157,2 milímetros de chuva ao longo de 48 horas, que gerou um caos. Belém parou, foi um caos. Esses 157 não é um terço do que caiu ali no Rio Grande do Sul em dois dias. Se vai cair toda essa que caiu no Rio Grande do Sul aqui pra Belém, de 500 milímetros, em três, quatro dias estaríamos passando pela mesma situação de catástrofe, morte, inundação, a água”.

Reafirmando as informações expostas na Cartilha da Comissão Permanente da FNP (Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos) de Cidades Atingidas ou Sujeitas a Desastres (CASD), o especialista enumera as primeiras áreas afetadas na capital paraense: “Começaria ali no Ver-o-Peso e chegaria ao Jurunas muito fácil. Jurunas, Terra Firme, a área do (rio) Tucunduba e todos os bairros próximos a essas regiões”. Adriano comenta a importância de focar em ações estratégicas de controle: “

“Independente do efeito de maré, nosso sistema de drenagem está danificado. Solo impermeabilizado e muito, muito asfalto. A água que toca o solo não consegue infiltrar. Água que não infiltra, vai escoar. As cheias geram ondas que vão levando tudo que tem pela frente. A água do oceano, sobe pra atmosferas e condensa, vira nuvem e desce em chuva, mas quando ela desce ela encontra o solo impermeabilizado, asfalto, concreto, a água não consegue chegar ao subterrâneo, então ela fica aqui em cima. Como ela fica ela não consegue entrar no solo, então gera a inundação, enchente até o ponto de inundar tudo”.

Adriano Sousa, metereologista, doutor em hidrologia e mudanças climáticas e professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra)


Da mesma forma que o Serviço Geológico do Brasil, o especialista reforça a importância fundamental de ações preventinas como educação ambiental de moradores, sistemas de alerta e políticas de evacuação: “O monitoramento meteorológico, hidrológico bem ajustado é fundamental, assim como a população, especialmente a mais carente, possa ter acesso disso de forma muito rápida, a mais rápida possível e de forma muito precisa para não ter vítimas”, conclui.

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