Poços secam e falta de água preocupa moradores do bairro do Benguí, em Belém

Moradores relatam que cerca de 80 famílias foram atingidas pela seca dos poços.

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Silmara Lima

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Publicado em 22 de março de 2025 às 20:53

Poços artesianos e até poços abertos foram atingidos pela seca. 
Poços artesianos e até poços abertos foram atingidos pela seca.  Crédito: Silmara Lima/Roma News

“Para ter água tivemos que pensar em estratégias de como puxar a pouca água que vinha nos poços, tendo que dispor de tempo e paciência, por que por ser pouca, tínhamos que ligar a bomba e ficar a cada 10 minutos desligando, pois a água acabava e a bomba poderia queimar, e quando não vinha água de jeito nenhum, tínhamos que recorrer a um vizinho, assim como em outros momentos recorriam a mim, já que todos passavam pelas mesmas situações. E assim foi todo o verão de 2024“. O relato de Benedito Ferreira, morador do bairro do Benguí retrata uma situação cotidiana que começou há cerca de um ano e afeta um grupo de moradores do bairro do Benguí, em Belém do Pará.

De acordo com o Censo 2022 do IBGE, no bairro moram 275.689 pessoas. Desse total, segundo a Associação de moradores do Benguí, cerca de 80 famílias foram atingidas pela seca dos poços. Para essas famílias, o verão de 2024 foi um período onde a estiagem se mostrou bastante agressiva e, segundo moradores destas áreas, o fornecimento de água da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) não chega diariamente nestes bairros e quando chega é sem possibilidade uso. Nesse cenário, os poços artesianos são os únicos meios de ter acesso sem interrupção à água de qualidade para suprir as necessidades do dia a dia.

A chegada do inverno Amazônico trouxe junto com as chuvas, um alivio para os transtornos causados pela falta de água. De acordo com a comunidade, nesse período, o nível da água dos poços subiu um pouco, porém, longe do que normalmente ocorriam em anos anteriores.

Segundo a engenheira ambiental Shara Alexandre, poços artesianos podem secar por diversos motivos. “Imóveis em obras, perfurações de novos poços ou atividades industriais podem causar um impacto na disponibilidade de água subterrânea, além de existir o fato de termos passado por um período de ausência significativa de chuvas em 2024, que pode interferir no nível do lençol. Os poços que ainda não secaram precisam de manutenção periódica para garantir sua eficiência. O problema de rebaixamento do lençol freático é uma questão que precisa ser tratada de forma mais ampla, por isso recomenda-se um estudo hidro geológico para entender melhor a situação e definir a melhor estratégia para recuperação da água subterrânea no bairro”, explicou a especialista.

Entre as causas que podem levar à secura dos poços estão:

•Condições climáticas: períodos prolongados de seca diminuem a recarga do lençol freático.

•Uso excessivo de água: retirar água do poço mais rápido do que a recarga natural do lençol freático pode esgotar os recursos hídricos.

•Alterações geológicas: mudanças na estrutura do subsolo como compactação do solo ou movimentação de placas tectônicas, podem afetar a recarga do lençol freático.

•Obstrução do fluxo de água: sedimentos ou materiais que entram no poço podem dificultar a passagem da água.

•Contaminação: a contaminação da água subterrânea pode levar à necessidade de desativar o poço.

•Danos no revestimento: danos no revestimento do poço permitem que partículas e materiais sólidos passem para a água.

•Problemas no bombeamento: o bombeamento do poço pode estar desgastado ou entupido.

Cuidados e prevenção

•Limpeza periódica do poço para remover sedimentos, lama e incrustações minerais;

•Teste de vazão e recuperação para verificar se o poço ainda está operando com eficiência, monitorando o nível do poço;

•Inspeção e manutenção da bomba para evitar falhas mecânicas;

•Exploração de outras fontes de abastecimento pode ser necessária se o lençol freático estiver comprometido.

•Instalação de reservatórios de água para evitar o desabastecimento em períodos críticos com a opção de investir em sistemas de armazenamento e reutilização de água.

•Gerir o uso da água de forma sustentável;

•Construir o poço de forma legalizada.

Educação ambiental

Muitas pessoas perfuram um poço artesiano em suas casas sem buscar as licenças e outorgas necessárias, e a regularização é obrigatória por lei, além de ser essencial para garantir a qualidade da água e o uso ambiental. De acordo com a legislação paraense, perfurar um poço artesiano ou operá-lo sem a devida autorização pode gerar penalidades como advertências, multas, interdição e até detenção.

O técnico em gestão de meio ambiente e geólogo, Helder Oliveira, explica que é importante confirmar se o rebaixamento do nível da água desses poços são acentuados, persistentes e amplos. Uma vez que isso é confirmado, algumas possibilidades se apresentam, uma delas pode ser o aumento da criação de poços na área, e esse aumento pode ter se dado pela proliferação da construção de poços clandestinos, que muito provavelmente não passaram pela análise técnica do órgão ambiental. Helder relata que isso não é um problema que se restringe ao Pará ou exclusivamente do bairro do Bengui: é de ordem nacional.

“Um artigo que foi publicado no Jornal da USP sobre as águas invisíveis no censo de 2022, fala de uma estimativa de que quase 90% dos poços, ou seja, um número muito expressivo de poços existentes no Brasil são poços irregulares, que não passaram pela avaliação do órgão gestor. Estão mal alocados, então pode haver sim que exista um conjunto de poços que eventualmente não passaram pela devida avaliação, eventualmente mal construídos, mal planejados, mal executados, mal operados e que estejam interferindo no sistema dos demais poços hidraulicamente entre si e provocando um rebaixamento do nível da água para além do normal”, explica Helder.

Como legalizar?

•É preciso pedir uma licença de perfuração para os órgãos competentes.

•É preciso abrir um processo de Solicitação de Autorização para Perfuração de Poço junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas).

•É preciso perfurar o poço somente após obter a autorização para perfuração.

Quais as penalidades?

Perfurar poços ou operá-los sem a devida autorização constitui infração. As penalidades podem ser advertência, multa diária ou proporcional ao dano de até 10 mil reais, além de interdição e proibição da atividade.

Quais os problemas de poços irregulares?

•Água contaminada, com o potencial de transmitir e causar doenças

•Contribuição para a escassez dos aquíferos

•Contaminação do lençol freático de uma região.

“Água da Cosanpa é barrenta”

Outra situação relatada pelos moradores, é que a água da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), empresa responsável pela distribuição e manutenção de água em Belém, além de abastecer precariamente, quando chega, é uma água suja e barrenta.

A moradora Rosimere Costa é dona de casa e disse que ela e a vizinhança não contam mais com a companhia devido à falta constante de água, que por vezes leva de 3 a 5 meses sem água da Cosanpa em suas casas. “A maioria dos moradores tem poço artesiano e os que não têm, recebem suporte dos que tem, com compartilhamento de água entre a vizinhança”, relatou Rosimere.

Questionado pelo Roma News sobre as denúncias dos moradores, em nota, a Cosanpa informou que em 2024 os sistemas que abastecem a área receberam novos investimentos e equipamentos para fortalecer o atendimento e que eventuais problemas podem ser registrados pelos Canais de Atendimento ao Cliente para verificação de equipes técnicas.

Saúde Pública

Segundo Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil, o saneamento básico é de extrema relevância para a população ter saúde e para que o meio ambiente possa estar conservado. Em Belém, foram registradas em 2024, cerca de 1244 internações por doenças associadas à falta de saneamento básico, onde somente 2,4% do volume de esgoto gerado, foi tratado, isso significa que, quando a população aciona a descarga na sua casa, por exemplo, esse esgoto acaba não tendo a devida coleta e o devido tratamento, culminando na infiltração no solo, contaminando tanto o solo, quanto os rios, que acabam ficando poluídos.

“Se a gente não está utilizando a água tratada, a água que passa por todo um processo de tratamento para ser distribuído para a nossa casa dentro dos padrões de potabilidade exigidos pelo Ministério da Saúde, a gente pode estar tomando uma água contaminada também por conta desse esgoto bruto. Utilizando água de poço, e esse poço está contaminado porque teve uma contaminação cruzada com esgoto que infiltrou no solo, então é muito importante pensar na priorização desse tema, pois a população só vai se desenvolver se estiver tomando água de qualidade, e se não tiver contato com esse esgoto bruto”, declarou Luana.