Dólar fecha perto dos R$ 6,00 após Trump elevar pressão sobre China; Ibovespa cai 1,32%

O real, que nos últimos dias apresentou desempenho superior a de pares, amargou a maior perda entre as moedas mais relevantes

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Estadão Conteúdo

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Publicado em 8 de abril de 2025 às 18:18

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Dólar Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

O dólar acelerou os ganhos ao longo da tarde com o acirramento das tensões comerciais entre Estados Unidos e China e emendou nesta terça-feira (8), o terceiro pregão consecutivo de alta firme no mercado local, flertando com fechamento acima do nível psicológico de R$ 6,00.

O dia foi negativo para divisas emergentes mais ligadas à China. O real, que nos últimos dias apresentou desempenho superior a de pares, amargou a maior perda entre as moedas mais relevantes. No mercado offshore, o yuan caiu ao menor nível histórico em relação ao dólar, o que é ruim para exportadores de commodities como o Brasil

As atenções estiveram voltadas ao prazo dado por Donald Trump para que a China recuasse de tarifas retaliatórias, que expirava nesta terça às 13 horas (de Brasília). Os chineses não piscaram. Mantiveram as tarifas, ressaltaram que estão prontos "a lutar até o fim" e iniciaram disputa contra os EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC).

A Casa Branca confirmou, então, sobretaxa de 50% sobre produtos importados da China a partir da quarta-feira, 9. Com isso, o gigante asiático passará a enfrentar tarifa total de 104% em produtos exportados aos EUA. A troca de farpas elevou a aversão ao risco, levando o dólar a ultrapassar a linha dos R$ 6,00.

A moeda moderou os ganhos em seguida e chegou a trabalhar abaixo de R$ 5,98, mas voltou a se aproximar de R$ 6,00 na reta final dos negócios, com aumento da aversão ao risco e o tombo das bolsas em Nova York. O gatilho teria sido a afirmação do porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, de que o presidente Donald Trump acredita ser possível a fabricação de iPhones nos EUA. A Apple produz a maioria de seus produtos na China.

Com máxima a R$ 6,0054, o dólar subiu 1,48%, a R$ 5,9979 - maior valor de fechamento desde 21 de janeiro (R$ 6,0307). A divisa já acumula ganhos de 5,13% nos seis primeiros pregões de abril. As perdas no ano, que chegaram a superar 8%, agora são de 2,95%.

Para o chefe da mesa de câmbio da EQI Investimentos, Alexandre Viotto, a tendência é que o dólar continue a se valorizar em relação a divisas emergentes, uma vez que não há sinais de que haverá redução iminente das incertezas provocadas pela guerra comercial.

"Com a falta de previsibilidade, temos visto investidores e empresas já em busca de hedge. Ninguém vai abrir mão da segurança do dólar com tanta indefinição no exterior", afirma Viotto, para quem as dúvidas sobre uma eventual recessão nos EUA mantêm a aversão ao risco em níveis elevados.

Operadores relatam saída de capitais de ativos locais. Dados da B3 mostram que os investidores estrangeiros já retiraram R$ 3,605 bilhões da bolsa doméstica em abril (até o dia 4). No acumulado do ano, o fluxo de capital externo está positivo em R$ 7,037 bilhões.

Termômetro do comportamento do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY recuava cerca de 0,31 no fim da tarde, abaixo da linha dos 103,000 pontos, após mínima aos 102,753 pontos. Franco Suíço e iene, tradicionais refúgios em momentos de estresse, devolveram parte dos ganhos dos últimos dias.

Com os temores de desaceleração mais aguda da atividade nos EUA em razão do tarifaço, crescem as expectativas em torno de um alívio monetário. Monitoramento do CME Group mostrou que uma redução da taxa básica americana em 25 pontos-base em maio passou a predominar entre as apostas dos investidores.

No início da tarde, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) de Chicago, Austan Goolsbee, disse que há dúvidas sobre "a rapidez e a magnitude" em que o tarifaço se traduzirá em aumento de preços, mas ressaltou que o sentimento do consumidor americano "está despencando" - o que, em geral, se traduz em queda dos níveis de consumo.

Já a presidente do Fed de São Francisco, Mary Daly, disse que há uma "pequena preocupação com leve alta da inflação com tarifas". Ecoando falas recentes do presidente do BC norte-americano, Jerome Powell, Daly disse que a política monetária está posicionada e "modestamente restritiva".

"O mercado está dividido entre a possibilidade de quatro ou até cinco cortes de 25 pontos. Há dois vetores em conflito: a pressão inflacionária com tarifas e o risco de recessão por causa da incerteza econômica. No momento, o mercado parece mais preocupado com a recessão do que com a inflação", afirma o economista Paulo Gala, professor da FGV-SP.

Ibovespa

O Ibovespa fechou em queda de 1,32%, aos 123.931,89 pontos, após mínima (-1,70%) aos 123.454,24 pontos e máxima (+1,64%) aos 127 651,60 pontos. O giro financeiro totalizou R$ 27,4 bilhões.

A máxima do índice foi pela manhã, na esteira da recuperação em Wall Street. O mercado aguardava ansiosamente pela badalada do relógio das 13 horas (de Brasília), limite imposto pelos EUA para que a China removesse a tarifa recíproca de 34% imposta em retaliação aos 34% dos EUA sobre produtos chineses.

Contudo, perto do horário, a China não apenas não removeu a tarifa, como disse que vai "lutar até o fim" caso o governo Donald Trump leve adiante a aplicação de sobretaxas e iniciou uma disputa na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra tarifas recíprocas. Pouco depois, o Ibovespa tocou mínimas, acompanhando também o movimento das bolsas de Nova York - que ainda testavam uma recuperação.

Em retaliação, os EUA confirmaram a aplicação de uma sobretaxa de 50% para a China, totalizando tarifas de 104% a partir da quarta-feira, 9. Com isso, o Ibovespa renovou mínimas e os índices de Wall Street apagaram os ganhos.

"O mercado esperava um clima mais ameno dos EUA em relação à China, no sentido de sentar para conversar, tentar chegar a um denominador comum. E não é isso que estamos vendo. Estamos vendo uma escalada", comenta o estrategista de ações da Nomos, Max Bohm. Para ele, fica no ar a pergunta: "Será que a China vai aumentar as tarifas ainda mais também?"

A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, chegou a dizer em entrevista que o presidente Donald Trump "quer fazer um acordo com a China, mas não sabe como começar".

Segundo o sócio da One Investimentos Pedro Moreira, por ora mercado ainda trabalha com uma possível escalada mais forte entre EUA e China nessa guerra comercial envolvendo tarifas. "Isso causa mais volatilidade e pânico ao mercado, fazendo com que as bolsas reajam de forma negativa."

A carteira teórica tem forte influência de ações ligadas a China e commodities, sendo que o petróleo acentuou a baixa também focando na tensão comercial global.

"Há receio de uma desaceleração profunda no comércio internacional, que pode levar a uma queda do PIB no mundo e isso afeta a demanda por commodities", acrescenta Bohm.

Vale e CSN ON tombaram mais de 5%, e Petrobras recuou mais de 3% Ainda entre as blue chips, o setor financeiro cedeu em bloco.

Juros

Os juros futuros fecharam a sessão com alta firme, diante da aversão ao risco elevada pela confirmação do governo dos EUA da aplicação de tarifas adicionais de 50% à importação de produtos chineses. A busca por segurança penalizou o real e levou junto a curva de juros. As taxas na B3 chegaram a abrir quase 20 pontos-base nas máximas em alguns vencimentos, em meio ainda à volatilidade no segmento dos Treasuries.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 fechou em 14,765%, de 14,678% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2027 subiu de 14,20% para 14,39%. O DI para janeiro de 2029 terminou com taxa de 14,32%, de 14,12% ontem no ajuste.

Os mercados percorreram a manhã sob suspense, já que o prazo dado pelos EUA à China para retirada da tarifa de 34% às importações dos EUA venceria às 13h. O país asiático não retrocedeu e a tarifa adicional de 50%, totalizando 104% em sobretaxas, começará a ser cobrada amanhã. O dólar à vista subiu mais de 1% e resvalou novamente na marca de R$ 6, reforçando os riscos inflacionários em meio a dúvidas sobre qual será a postura do Federal Reserve num eventual cenário de estagflação nos EUA, diante de seu duplo mandato.

As ações estiveram entre os ativos mais afetados nesta terça-feira, mas o economista Vladimir Caramaschi afirma que "a coisa ficará feia mesmo se a guerra comercial começar a afetar taxas de juros de forma mais significativa". Em comentário no LinkedIn, ele considera que o fato de a taxa dos títulos de 10 anos subir, mesmo com analistas e instituições cortando expectativas de crescimento "a torto e a direito não é um bom sinal".

No fim da tarde, a T-Note de dez anos apontava taxa de 4,27% e o dólar voltava a flertar com os R$ 6,00, com impacto sobre os DIs Apesar da pressão na curva, o estrategista-chefe da AZ Quest, André Muller, considera que as taxas estiveram até bem ancoradas, em comparação ao que se vê nas moedas e ações, lembrando que o real hoje foi a pior divisa entre as emergentes

Muller explica que num quadro de desaceleração global a atividade no Brasil tende a continuar perdendo força e as commodities, a arrefecer, o que pode levar o Banco Central a revisar a condução da política monetária, podendo antecipar o fim do ciclo de aperto da Selic. "O investidor quer saber que impacto esse ambiente externo terá sobre as ações do BC", afirma o estrategista, acrescentando que o País já tem um nível de juro muito alto e que ao ficar no piso das tarifas aplicadas por Trump está em posição melhor do que vários outros, por exemplo, asiáticos.

Dado que a China é um dos países mais prejudicados pelo tarifaço, os preços das matérias-primas derretem e, por aqui, aumenta a expectativa em torno dos combustíveis, o que seria boa notícia para o cenário de preços.

"A despeito da alta do dólar de quase 2% para R$ 5,9/US$ ante o nível da véspera do Copom de março (R$ 5,80/US$), a redução mais agressiva do preço médio do barril de -10% na mesma comparação, avaliamos uma probabilidade elevada do corte do preço da tarifa da gasolina de 3% a 5%", afirma o economista-chefe da Equador Investimentos, Eduardo Velho.