Publicado em 29 de agosto de 2023 às 05:00
Tomar açaí é uma paixão paraense, mas você sabia que também é possível usar o caroço para fazer outros produtos? Foi nisso que a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) pensou ao analisar os resíduos que sobram ao retirar a polpa do açaí.>
Segundo as pesquisas da Ufra, em Belém, no período da safra os batedores processam de 15 a 20 latas do fruto por dia, e na entressafra de 10 a 12 latas. Desse total processado, cerca de 80% é o caroço, ou seja, é resíduo. >
O caroço do açaí é um poluente em toda a região Amazônica, tanto na área extrativista, quanto na área urbana. Para buscar uma solução ao problema, a professora Lina Bufalino, doutora em tecnologia da madeira, lidera uma pesquisa que busca dar um aproveitamento ao caroço. >
Como é o processo de aproveitamento do caroço?>
Para a criação do bioproduto, o primeiro passo é a extração da fibra, aquele 'cabelinho' que reveste o caroço. Um dos objetivos é produzir uma embalagem sustentável (que fica parecida com um papel manteiga) feita com essa fibra e que possa substituir o plástico. 'O nanopaper feito com fibra do caroço de açaí é 30 vezes mais resistente que um papel normal, além de ter transparência e alta barreira para a umidade', diz. >
O processo de transformação da fibra em papel filme envolve quatro etapas, que vão desde a retirada da fibra, pré-tratamento químico para isolar a celulose, produção da nanocelulose e produção do papel filme. Parte do processo é realizado em parceria com a Universidade Federal de Lavras (UFLA).>
A professora explica que ao redor do mundo os usos de nanopaper de fibras de madeira são utilizados para chips eletrônicos (sem o uso de metais pesados), com aplicação inclusive na área médica. 'Conseguindo produzir um nanopaper de qualidade, é possível expandir os usos nanopaper do açaí para uma diversidade enorme de produtos', explica a pesquisadora. Além dos nanopapers 100% de açaí, é possível combinar as nanofibras do resíduo do açaí com a quitosana, que pode ser obtida dos resíduos de camarão que são muito comuns Amazônia, originando uma outra categoria de filme com potencial para produção de embalagens sustentáveis.>
Papel com copaíba?>
No estudo, a pesquisadora também espera melhorar o branqueamento da fibra e a qualidade do nanopaper, iniciando a produção de papel reciclado reforçado com a fibra de açaí, com melhor qualidade para utilização e produção em escala semi industrial. Mas não para por aí. A meta é tornar o produto com a cara ainda mais amazônica: misturando ao nanopaper óleos como a andiroba e a copaíba.>
Bioenergia>
Mas tirando somente as fibras para a produção de papel, ainda sobra o caroço. Por isso uma das fases da pesquisa analisou as características e os potenciais do caroço como biomassa para a produção de bioenergia. Biomassa é a matéria orgânica de origem vegetal ou animal, utilizada para produzir energia. Nesse caso, a biomassa é o caroço. A pesquisadora explica que esse resíduo tem alta densidade, o que ajuda no melhor rendimento energético.>
Uma das alternativas seria o recolhimento desse resíduo por estabelecimentos comerciais que utilizam fornos a lenha, como fábricas de tijolos e telhas, pequenas indústrias que usam fornos para aquecimento de caldeiras, restaurantes e pizzarias. O processo de queima controlada da biomassa não libera gases poluentes, mas sim o chamado carbono neutro.>
'A biomassa do caroço do açaí não concorre com a alimentação, ou seja, ao invés de você plantar biomassa pra fazer energia, você já tem esse resíduo disponível, com ampla disponibilidade, situação que é comum em toda a Amazônia', explica a professora.>
Na queima do resíduo do açaí, entretanto, é gerado cinzas com resíduo. Para isso, a pesquisadora desenvolveu uma outra solução, giz de cera 100% sustentáveis.>
Em 2020, dados do Panorama Agrícola do Pará, produzido pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuária e da Pesca (Sedap) colocaram o estado como o principal produtor brasileiro do açaí e o responsável por 94,03% da produção nacional. O documento utilizou informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), que destacou o município de Igarapé Miri como o principal produtor no estado, seguido dos municípios de Cametá e Abaetetuba.>
Diálogos Amazônicos>
A pesquisa foi apresentada no evento 'Diálogos Amazônicos', realizado de 4 a 6 de agosto em Belém. O estudo e outras pesquisas da universidade foram apresentados no auditório da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). As pesquisas estão inseridas no evento 'Desafios para o desenvolvimento das Amazônias: debates sobre o clima, bioeconomia e modelos produtivos sustentáveis', proposto pela Ufra.>