IRPJ no Simples Nacional: não incidência sobre a multa/indenização na rescisão do contrato de representação comercial.

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*Por Thiago Pereira:

A complexa dinâmica da tributação no Brasil exige daqueles que com ela lidam o empreendimento de esforços constantes de entendimento e aprendizagem; uma vez ser impossível o domínio completo de todas as nuances atinentes à essa realidade.

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Da complexidade das obrigações tributárias nascem não apenas necessidade da qualificação profissional, mas, também, conflitos que ultrapassam a relação entre os contribuintes e a Administração Tributária, o Fisco.

Assim é que, outro dia, um cliente apresentou-nos questionamento acerca da incidência do imposto de renda sobre o valor que ele receberia à título de multa/indenização pela rescisão de um contrato de representação comercial.

Segundo as suas colocações, o contrato fora rescindido por vontade da representada, e esta insistia na ideia de que sobre o valor pago deveria ser aplicada a alíquota de 15% à título de imposto de renda, com fundamento no art. 70 da Lei nº 9.430/1996, o qual determina:

“Art. 70. A multa ou qualquer outra vantagem paga ou creditada por pessoa jurídica, ainda que a título de indenização, a beneficiária pessoa física ou jurídica, inclusive isenta, em virtude de rescisão de contrato, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento”

Sendo uma pessoa que se joga na frente de um carro para agarrar um real, a indagação do cliente trazia com ela dois dilemas: livrá-lo da obrigação de pagar imposto e preservar a porta aberta da relação comercial.

A princípio, o leitor pode julgar correta a interpretação conferida ao dispositivo legal pela empresa representada.

Todavia, a interpretação jurídica deve ser sistêmica, de modo a abarcar os pormenores possíveis dos eventos e, assim, apresentar a melhor alternativa. Aliás, o método sistêmico de interpretação salva muitos contribuintes nas controvérsias que eles travam com o Fisco.

Naquilo que interessa dizer, o fator distintivo na situação narrada pelo cliente consiste na particularidade de que a sua empresa, a representante, é pessoa jurídica submetida ao regime do Simples Nacional, realidade de recolhimento dos tributos com regras próprias e específicas.

Disso decorre que a Lei invocada pela representada não poderia ser utilizada para justificar o desconto de imposto de renda sobre o valor a ser pago para a sua representante, como multa/indenização pela rescisão do contrato existente entre elas.

De fato, a Resolução CGSN nº 140/2018, que regulamenta a Lei complementar nº 123/2006, que trata do Simples Nacional, preceitua, em seu art. 2º, §5º, que: “V- os valores recebidos a título de multa ou indenização por rescisão contratual, desde que não corresponda à parte executada do contrato”.

Se o que se tributa no Simples Nacional é a receita bruta da pessoa jurídica e a própria legislação referente ao regime afasta desse conceito o valor referente à multa/indenização por rescisão de contrato, é consequência óbvia que o montante recebido pela empresa do nosso cliente não poderia sofrer a incidência de IRPJ.

Não bastasse a regra explícita mencionada, se voltarmos à Lei nº 9.430/1996, a qual fora usada como fundamento de tributação pela empresa representada, lá mesmo encontraremos razões para a não incidência do imposto de renda sobre o valor pago à empresa representante.

Os parágrafos 3º e 4º do art. 70 da dita lei determinam que: “O valor da multa ou vantagem será: I – computado na apuração da base de cálculo do imposto devido na declaração de ajuste anual da pessoa física; II – computado como receita, na determinação do lucro real; III – acrescido ao lucro presumido ou arbitrado, para determinação da base de cálculo do imposto devido pela pessoa jurídica”; e que “O imposto retido na fonte, na forma deste artigo, será considerado como antecipação do devido em cada período de apuração, nas hipóteses referidas no parágrafo anterior, ou como tributação definitiva, no caso de pessoa jurídica isenta”.

Pois bem! Analisando cada inciso e cada aspecto dos dispositivos transcritos, extraímos das suas redações que as empresas do Simples Nacional sequer são mencionadas. Os itens tratam das pessoas físicas, das empresas dos lucros real e presumido, e das pessoas jurídicas isentas. Não há a mínima menção a empresas do regime simplificado.

O leitor atento poderia alegar que, se não há tratamento, nos dispositivos transcritos, para as empresas do Simples Nacional, então elas seriam isentas do pagamento de imposto de renda e, nessa condição, encaixar-se-iam na hipótese de tributação definitiva, como determina o §4º do art. 70: O imposto retido na fonte, na forma deste artigo, será considerado como antecipação do devido em cada período de apuração, nas hipóteses referidas no parágrafo anterior, ou como tributação definitiva, no caso de pessoa jurídica isenta”.

É dizer: sobre o valor pago como indenização/multa incidiria o imposto de renda e o montante recolhido seria tratado como tributação definitiva.

Ocorre, porém, que o raciocínio não subsiste por duas razões simplíssimas: isenção é benefício concedido expressamente por lei, e nenhuma isentou as empresas do simples nacional do pagamento do imposto de renda; a Lei do Simples Nacional veda expressamente o usufruto de quaisquer outros benefícios fiscais para além daqueles previsto em seu bojo, ou seja, o próprio Simples Nacional.

A possível encruzilhada diante da qual o leitor poderia pensar estar, na realidade, não existe.

O que acontece é que a realidade tributada pelo Simples Nacional, que é, justamente, a receita bruta aferida pelas empresas, não compreende os valores por elas recebidos como multa/indenização por rescisão de contrato. Trata-se daquilo que chamamos no direito de não incidência.

Tudo aquilo que não está inserido no conceito de receita bruta não sofrerá a incidência tributária, considerando as empresas que estão no Simples Nacional, salvo as especificidades próprias trazidas pela lei do regime simplificado.

Há, ainda, outro motivo ao qual podemos recorrer para afastar a exigência de imposto de renda sobre o montante recebido por rescisão de contrato de representação. 

O valor percebido pela rescisão tem caráter indenizatório, conforme definido pela Lei nº 4.886/1965. Por essa razão a jurisprudência construiu entendimento pacificado de que tais quantias, revestidas de natureza indenizatória, não são base para imposto de renda, porque, em ralação ao patrimônio de quem as recebem, a sua função não é de aumento, mas de recomposição do dano gerado, configurando-se como mera reposição ou compensação patrimonial.

Isto posto, segundo as observações mencionadas, na rescisão contratual de contrato de representação comercial, no qual figura como representante empresa do Simples Nacional, sobre o valor percebido não deve haver a cobrança de imposto de renda por expressa determinação legal, bem como pelo caráter indenizatório de que se reveste a quantia recebida, a qual não aumenta o patrimônio do contribuinte, mas, antes o recompõe.

Explicado todo esse arcabouço à empresa representada, ao final o nosso cliente se livrou da obrigação de ter que suportar o desconto de 15%, como imposto de renda, sobre a indenização a ser recebida e a relação comercial, por mais que finda, restou imaculada.

* Thiago Pereira: Advogado tributarista, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Advogado no escritório Assunção e Carneiro Tributário. Contato: thiago@assuncaoecarneiro.com.br

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